Bombom e Vinho tinto

 


       
 Antenor Emerich




O bombom tinha um gosto suave, misturado ao vinho tinto seco produzia uma sensação adorável. Uma espécie de êxtase; a lembrança da voz dele em seu ouvido fez estremecer seu corpo, um frêmito de alegria e prazer percorreu suas costas pequenas. Acabara de sair, mas era como se ele ainda estivesse ali, chegando por trás, falando baixinho, com a voz rouca, em seu ouvido, sua mão enorme deslizando sobre seu ombro buscando seus seios, tomando forma de concha e cobrindo-o por inteiro. Mais um gole de vinho sobre o gosto suave do bombom. A sensação do prazer se intensificando na simples lembrança da voz e do toque dos dedos daquele homem.


Suspirou vagarosa e profundamente. Como alguém poderia entender o prazer e a alegria que sentia ao lado dele?

Mais um bombom. Ajeitou o travesseiro na cabeceira da cama. A janela de vidro mostrava a cidade iluminada lá em baixo. Mais um gole de vinho. A mistura mantinha o êxtase. Sabia que as pessoas estão atadas em seu próprio medo de mudança. Quando alguém muda, tudo é muito perigoso. Sua família ditava as regras, e ela seguia, foram 30 anos de sua vida assim. Agora decidira dar seu grito de independência, a família enlouquecera, pressionaram-na, prometeram abandona-la, larga-la sozinha à margem do mundo. Para sua família ela tornara-se então uma marginal. Mas o que é ser marginal? Ela nunca pensara sobre isso. Marginal vem de margem, marginal é o que está na margem. Correu para o dicionário. Voltou para a cama, mais um gole de vinho (era o vinho que ele gosta, ela gosta de suave, tomar o vinho que ele gosta é como sentir mais o sabor dele), encontrou a palavra marginal:

Adjetivo, designativo da pessoa desintegrada da sociedade em que vive.

Então era isto ela rompera com as leis sociais que regem a vida de sua família. Mas em que ela mudara? Continuava a mesma de sempre, apenas resolvera que não queria mais aquele casamento frio, vazio de emoção e prazer, e decidira sair com o homem que ela queria. Foi um “bafafá, um falatório, cada qual tinha uma opinião diferente para dar”.


Uma mordida no bombom, um gole de vinho. Não era somente fofoca ou espanto, havia uma preocupação, uma inquietação nervosa no ar. Maridos temerosos, desconfiados do mau exemplo ela era para suas recatadas esposas, maridos que negligenciam suas mulheres, que as tratam como seres sem necessidades, sem emoções ou esperanças. Estas esposas deixaram de Aldo a noção de que são mulheres, vivem o que lhes resta, o que lhes é possível. Ela sabia que era assim, vivera desta forma por longos e doloridos doze anos. Conseguira pôr um fim ao despotismo de sua família. Encontrara um homem que amava e sentia-se mulher como nunca sentira-se antes, e isto era tudo o que interessava. Que os infelizes e covardes queimasses em seus infernos de ódio e vingança. Ela seguiria em frente com sua própria vida, à sua própria maneira.

Mais uma compreensão brilhara em sua mente, entendera subitamente por que o grito de independência precisa ser precedido da sentença “...ou morte”.

Botou na boca o ultimo pedaço do último bombom, sorveu lentamente o último gole do vinho tinto seco, o gosto misturado trouxe-lhe o gosto do beijo e o cheiro do homem amado. Nos lençóis, marcas evidentes de que um homem estivera ali ainda há pouco. Deveria haver mais homens assim no mundo. Pensou e sorrio.

Feliz, deitou e dormiu.

 

Comentários

  1. Mês passado escrevi uma matéria sobre mulheres. Infelizmente ainda é assim a maioria não tem rede de apoio. Ficam ligadas muitas vezes por motivos religiosos acreditando que com "fé" tudo vai mudar. Nunca muda, só piora. Além delas tem os filhos que também fazem com que muitas continuem aprisionadas. É preciso urgentemente mudar os conceitos, ensinando nossas meninas a terem sua liberdade financeira. Podemos acreditar que tudo dará certo, mas se não der tão certo assim tem um plano B. Sem ficar anos num lugar que já não lhe faz bem. Onde muitas acabam perdendo sua essência para só cuidar dos filhos e do marido que ainda não lhes da o valor que merecem. Quisera que todas essas mulheres se encontrem se amem primeiro e depois disso se assim desejarem, encontroem alguém que as faça feliz como nunca foram em suas vidas Muito bem escrito e bem reflexivo.

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  2. E eis que ela sentiu o cheiro do perfume com traços de vinho. Malbec. Cheiro de vinho e bombom.

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