O amor e o medo
A Esfinge de Pandora
Minha amada é muito
amada. Amo-a muito, sempre sorrio quando a vejo. Fico sempre surpreso e
encantado quando acordo e a vejo do meu lado; quando a encontro, quando, de
repente, ela aparece na minha frente... É sempre bom vê-la, sinto sempre uma
alegria em meu coração, exulta o meu espírito, renova meu ânimo, recupera meu
cansaço.
Meu amor é uma flor
delicada e gentil, é meiga, frágil, inocente, pura, não vê e não sente a
maldade no mundo, ama a todos indiscriminadamente, e ama a mim mais que a
todos! Ela sabe me fazer feliz. Todos os meus atos e palavras são para faze-la
sentir-se melhor, tomo cuidado de nunca magoá-la. Espera de mim que eu seja
sempre gentil assim. Vive e não se cansa, por isso não me canso de amá-la mais
que a mim.
Meu amor tem os
olhos sempre pedindo afeto, amolece nos meus braços e sussurra, com voz suave,
que me ama; olha bem fundo nos meus olhos e pede que eu a ame.
Meu amor é um
cristal resplandecente e transparente. Parece ingênua de tanto que acredita que
todo mundo tem boa intenção. Assim amo meu amor que me ama porque a amo.
Um dia aconteceu
algo que deixou meu bem preocupado, e que deixou a mim, penalizado. Por isso
explico tudo assim em pormenores, para que entendam porque meu amor levou um
susto.
Minha flor delicada
e gentil, estava sisuda e pensativa, premia os pequenos lábios, de suave
contorno, numa expressão lívida de dúvida e medo.
“Estais com algum
problema”, disse a ela, e, sem nenhuma intenção de pressionar, acrescentei “é
algo em que eu possa ajudar?”.
Ela inclinou
levemente a cabeça em direção as mãos, pequena e macias, piscou os olhinhos
repetidas vezes em seqüência rápida, com os dedos da mãos esquerda segurou os
dedos da mão direita. “Já faz dias que eu estou para te perguntar um coisa, é
até uma vergonha não saber”.
“Por mais que se
estude e pesquise, argumentei, há sempre algo, por mais simples que seja, que
nos escapa. Não como, ao menos por enquanto, saber tudo”.
Ela olhou-me como
se eu não tivesse dito nada, e perguntou: “O que é efêmero?”
A pergunta
causou-me estranheza. Ela perguntou e ficou olhando bem firme nos meus olhos.
Tive a sensação de que ela sabia o significado da palavra, e que, ao contrário
do dicionário, com seu significado frio das palavras, esperava que eu tivesse
uma significação romântica e poética.
Que poderia fazer?
A resposta era uma só! Não se pode tornar o efêmero romântico, a não ser que
devemos apreciar todos os breves momentos de nossas vidas, por que eles nunca
voltam a se repetir, um pôr de sol, um flor, um sorriso, uma lágrima, uma
emoção, uma sensação, um prazer. Muitos são os que passam uma vida inteira a
procura de uma sensação que nunca mais se repetiu. “Efêmero, disse-lhe eu, é
algo que dura pouco, que dura um só dia, que tem curta existência”.
Um “Ah”, seco, foi
a resposta.
Acredito que a
descoberta do efêmero causou um forte impacto em sua percepção. Meu bem ficou
muito tempo meditando. Fiquei, apreensivo, ao seu lado. Quando, por fim,
levantou, percebi que algo nela mudara; como impedir que as pessoas mudem? Tudo
muda a todo instante, mas a mudança mais drástica é a mudança de percepção,
porque então muda a perspectiva, e, finalmente, muda a seqüência de ação e
reação, de causa e efeito sempre provocando conseqüência. Não se pode prever o curso de uma
transformação depois que alguém altera a sua percepção.
A pretexto de
buscar um café, fui atrás dela até a cozinha, mas já era tarde demais, meu amor
pensava na morte e no fim das coisas, descobrira que tudo perece, que impérios
erguem-se e desaparecem, que efêmero é tudo o que surge e desvanece, não
importa o tempo que leve tudo o que é sólido se dissolve, tudo o que existe
deixará de existir.
Minha flor delicada
e frágil, tinha agora um brilho de melancolia nos olhos.
Com um gosto amargo
na boca, servi o café e voltei para a sala.
Há o fim.
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