Esfinge de Pandora - Minha outra vida


(Por Elair Andersom)


Saí de casa cedo. O ambiente do lar estava me matando de tédio. Pai calado. Mãe resmungando. Não iria esperar pela faculdade e resolvi cuidar da minha vida.
“Tenha cuidado”, me disse minha mãe, com olhos cheios de lágrimas. Não acreditava naquelas lágrimas. Ou melhor, cria sim, que eram lágrimas de culpa. O desejo dela de que eu tomasse um rumo a consumia, e pensava que uma mãe não deveria pensar assim. Tudo culpa. “Ao menos tenta aproveitar, já que é uma moça bonita e sai com uns moços ´melhorzinho´ de vida. Tu parece que gosta dessa rafuagem”.
Foi o melhor conselho que minha mãe conseguiu me dar, vender meu corpo para um homem com dinheiro, que me sustente pro resto da vida. Preferi ficar com a decisão da Paula Taitelbaum “Não uso sutiã. Não preciso de nada que me sustente.”
Meu pai calado olhava a janela e fumava um charuto. O último beijo de minha mãe foi de lábios secos e frios. Fiquei com dó dela. Uma mulher velha e sem esperança de sentir um prazer qualquer, um arrepio qualquer. Entrei na Vam, que havia trocado por tudo o que tinha, o que não era muita coisa. Nem mesmo me orgulhava da forma que tinha conseguido. Tudo o que eu tocava tinha cenas de sexo. Aqueles flashes de trailer.
Tudo me levava pra longe, a viagem nem era longa, nem queria ir pra uma cidade grande. Muito movimento me deixa estressada, mas muita calma me irrita. Mais que uma distância, nos separava, um abismo emocional.
O som do motor era indiferente. Mas o poder do movimento era uma força que eu sentia, que ainda sinto muito bem; uma força além de mim mesma, uma força que jorra, uma força que empurra, e que, tentar detê-la, é impossível, por muito tempo.
Não quis olhar pra trás, nem queria saber se minha mãe estava no portão, para ter certeza de que eu não voltaria, ou se não estava, por medo de que, se eu a visse, talvez me arrependesse de ir.
A viagem era longa, duas longas horas. Por sorte o Beto resolveu ir junto. Sempre é bom ter um homem por perto. Nem que seja pra trocar pneu. O Beto era inofensivo e eu o dominava bem. E sempre poderia manda-lo entrar em lugares, que se mulheres entram não conseguem sair logo. As mulheres precisam de um homem para ajudá-las a fazer tudo o que elas querem. Mas é enfadonho um homem obediente e servil. Ele perde aquela coisa que um homem deve ter. Os que tem são indomáveis e ninguém segura. O Beto já entrou com o baseado na mão. Adorava viajar chapado e eu preocupada com a polícia rodoviária. E no que iria fazer com ele quando chegasse. Se chegasse.

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